19 de dez. de 2009

Sobre a atuação profissional na Fundação CASA- Vivência e diário de Campo

Durante o processo do trabalho sobre a Fundação Casa, tivemos vários impasses para a elaboração do trabalho físico que estava dependendo da permissão da coordenação para fazermos a entrevista com a Assistente Social da Fundação, que atua no regime de semiliberdade na unidade de Diadema. O processo para conseguirmos foi burocrático, crítica que faço ao sistema por dificultar durante semanas a nossa visita a qualquer unidade de São Paulo ou regiões próximas.

Enfim, ao conseguirmos agendar a entrevista, fomos a Diadema, felizmente todas nós conseguimos nos liberar do trabalho, e o fato de todas estarem lá mudou totalmente a concepção do trabalho, foi muito importante. A minha primeira impressão sobre o lugar foi um olhar desconfiado sobre a entidade. Imaginei mil coisas, que os adolescentes sofriam que não gostavam de estar lá, que eram repreendidos de alguma forma, que estavam sofrendo, enfim.

Aos poucos fomos conhecendo o espaço que por mais apresentável e plácido possível se encontrava numa situação precária, janelas quebradas, quartos sem eletricidade, e me chamou atenção uma fechadura arrombada.

Faltam recursos governamentais, falta um olhar atento a simbologia das coisas destruídas.

 Fomos bem recepcionadas, quando terminamos de conhecer a unidade fomos à sala de entrevista das Assistentes Sociais, Luciana e Cristina, também diretora da unidade e tivemos o apoio do psicólogo.

Tivemos uma aula com a Assistente Social que propôs questões interessantes, fazendo um contraponto com o que já havíamos preparado. A importância do trabalho em equipe enquanto corpo de uma instituição, onde se articulam Assistentes Sociais, Psicólogos, e Pedagogos, sempre trabalhando juntos e afins. E é a partir dessa unificação que encontramos a particularidade dos casos em sua totalidade.

Durante a entrevista estavamos à vontade, gostei bastante das duas profissionais, me interessei muito pelo modo como realizam seus trabalhos. Conversamos durante pelo menos três horas seguindo um roteiro de perguntas sobre a profissão, atuação na Fundação Casa, medidas sócio-educativas, estudos, militância, etc.

Me emocionei muito em alguns momentos, ao imaginar o que deveriam sentir e pensar os adolescentes que viviam ali, suas histórias de vida, suas famílias.

Queriam estar naquele lugar? Queriam voltar? O que querem desse mundo de portas fechadas? Sabemos que em sua maioria é preciso bater muitas vezes para que ela se abra.

Foi um dia muito vitorioso para mim e acredito que para todas nós que presenciamos momentos marcantes como esses. Inesquecível o que podemos ver, saber, e também o contato por nós esperado que não tivemos.

 Quando fomos embora ficamos durante um tempo conversando sobre nossas impressões e minutos depois se aproximou um adolescente que se aproximava da Fundação, S. 16 anos, uma pessoa calma, olhos claros. Reafirmou o que disseram as Assistentes Sociais: “no regime de semiliberdade viviam como se estivessem em sua própria casa”.

Embora na minha concepção o fato de terem agora a autonomia e acesso à “concedida semiliberdade”, é evidente que já vivenciaram processos repressivos, não apenas no sentido físico-psicológico, mas enquanto inseridos numa instituição.

Fui embora com um nó na garganta porque não consigo conceber o lugar, o modo, o sistema, e em mim ele não cabe, não acho justo, não consigo entender como uma coisa plena pode ser concedida, dividida. De toda forma, não cabe deixar que aflorem minhas emoções nesse momento, não é viável nem ético. A liberdade é “Una” em seu sentido, não pode ser duplamente concebida ou vivida, se não deixa de ser liberdade e passa a ser dependente de algo, e sendo ela única, singular, não precisa de permissão para ser.

 DOIS

In/divi/duo
Não/divisão/dois
Individuo (dois que não se dividem)
Eu sou semi- livre
Meu mundo é semi-aberto
Meus sonhos são pela metade
Meus pés, minhas mãos
Minha vida
Meu tempo
Minha paz, minha dor
Meu sorriso, minhas chances
Sou um número do mundo
E esse mesmo mundo que ao me receber
Me disse: que eu seria único,
É o mesmo que me diz:
Sua hora há de chegar 

  Nesse poema estão os meus pensamentos sobre a questão da Semiliberdade, sobre o outro, estar no outro, compartilhar e viver com olhos externos. Se eu estivesse fora de mim pensaria assim. Escrevi algo que poderia ser dito. Dessa forma ponho um ponto e agradeço por essa oportunidade.








Por Janaína Grasso

1 de abr. de 2009

Sobre a vivência com os moradores em situação de rua da Baixada do Glicério



O espaço ao redor



Morar é pertencer a um lugar.
Confrontando pensamentos e posturas perante o mundo, e o “ser e estar” no mundo, aprendemos pouco a pouco a derrubar barreiras, reformular pensamentos e lutar para que o novo entre em nossas vidas através do contato, da vivência e até mesmo a distância entre os mundos, ao chegarmos nas nossas casas, à qual pertencemos e sem esquecer o que foi vivido do outro lado do muro, que é a situação de carência e decadência.

Quando nos aproximamos de uma realidade à qual não pertencemos, passamos pelo processo de descoberta externa e interna. Sem meros apelos, a situação a qual muitos se encontram, é notavelmente constrangedora, tocante, intensa.

Domina nossos sentidos, nos desapropria da solução e ao mesmo tempo nos faz entender que mais importante que a cura, é o “cuidado” e o olhar sempre atento a tudo o que queremos mudar.

A vivência com pessoas brilhantes que se encontram em condições de pobreza e decadência, só faz aumentar a percepção do quanto o se sentir, pertencer, é importante para que o pré-conceito nunca seja base das nossas atitudes. Pertencer é ser como o outro, se sentir e compartilhar o que queremos mudar e o que iremos fazer para que o desejo seja praticado dia após dia.


“A cortesia é a maior expressão do sentimento de igualdade”. (Vera Teles)


Mudar é mais que um ato, é uma atitude que temos que exercer tais como nossas necessidades. Agindo vamos mudando o mundo, e o mundo nos transforma.



Compartilhar foi com certeza o nosso maior sucesso, trocamos palavras e silêncio, revolta e o querer lutar constantemente para que o que já existe, tenha oportunidade de não serem mais invisíveis a muitos olhos, que camuflam a nossa realidade. Os guerreiros de rua, batalhadores, carentes dependentes em situção, jamais serão os mesmos para nós.

O presente foi o “nosso olhar”, novo adiante, e perseverante, da realidade da - “vida sofrida” (Fernando, morador em situação de rua.) - que levam esses homens, que querem “comer, fazer a barba e ir ao cinema com a esposa e a filha” (Damião, 46 anos, morador em situação de rua).

Agradecemos aoartista, ex-morador, e grande homem, Sebastião (Tião), ao moradores em situação de rua que nos ajudaram muito e nos presentearam com um novo olhar perante essas questões e aos membros da Associação Minha Rua Minha Casa pela atenção ..